Sónia André lança "Ku'Umbala" na UniLúrio
[Luz. Câmera. Accão.]
Com a luz do sol, no raiar do dia, um som típico da aterrissagem de um voo das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) nos convida a uma curta-metragem da Cineasta, Atriz e Pesquisadora, Sónia André, que nos leva até às longínquas terras do Niassa, para descobrirmos um pouco mais daquela secular, senão milenar actividade que é característica do povo moçambicano.
Trata-se de "Ku'Umbala", um documentário sobre os ritos de iniciação femininos, que, para além de apresentar/expor àquela prática, nos leva para uma outra dimensão, não só de apreciar, como também para reflectir em volta do significado etno-cultural daquela prática, olhando para os direitos da mulher e da rapariga, em particular.
Com sons típicos da terra que viu Samora, Mondlane, Josina nascerem, "Ku'Umbala" carrega consigo uma aventura sobre misticismos, crenças e costumes, que se vão decifrando nas danças das mulheres e raparigas que, orientadas pelas conselheiras (dos ritos de iniciação), vão estabelecendo o contacto com os ancestres e se preparando para a fase de transição da vida "adolescente" para a "adulta".
Com 44 Minutos, a Produção da Thandy, que teve patrocínio da UNICEF e UNFPA e apoio de diferentes instituições, é, para os que tiveram oportunidade de assistir, uma chamada de atenção para os diversos actores sociais repensarem sobre as práticas que possam pôr em causa as liberdades ou direitos das mulheres e raparigas.
Falando sobre o documentário, Sónia André explica que o seu filme não tem na génese nenhum cunho crítico, pois, limita-se a apresentar àquela prática e seus ditames. Tal defesa, que surge depois de questionada se estaria a criticar os ritos de iniciação, justifica-se no facto de a sétima arte ser um mundo de exposição de ideias e realidades, deixando para a sociedade a liberdade de tecer as diferentes visões sobre o apresentado.
Sónia André, mesmo sem querer dar alguma espécie de conclusão em relação ao filme que apresentou, não deixou de chamar a atenção à necessidade de a sociedade adoptar medidas para eliminar diversas acções que põem a mulher em desvantagem, sendo, segundo ela, um imperativo a luta contra as desigualdades e a eliminação do machismo, que é muita das vezes um dos motores que atropelam os direitos da mulher e da rapariga.
Indo mais além, Sónia disse que há no documentário um debate (ainda que implícito) sobre a necessidade do empoderamento da mulher, a necessidade de ressignificação da mulher e da rapariga, pois, "é preciso que não se negue a infância às crianças/ raparigas" e que ela não seja coagida a casamentos prematuros, ou gravidezes precoces que muitas vezes têm vitimado muitas raparigas.
Com palavras como "não à violência", "não aos casamentos prematuros", ou "não roubar a infância das raparigas", encontramos naquele mundo, apresentado por Sónia André, uma miscelânea de eventos que nos deixam, não só pensativos, como atónitos, perante uma realidade que mostra a necessidade de ser repensada. E não é para menos, pois, na obra são visíveis os impactos que os ritos de iniciação podem ter na vida da sociedade, e da mulher em particular.
Fazendo um olhar sobre o documentário, o Magnífico Reitor da UniLúrio, Prof. Doutor Francisco Noa, começou por enaltecer o filme, pois considera de mais-valia para uma constante crítica sobre aquelas práticas que se têm registado um pouco por todo o país.
Francisco Noa explicou o impacto do filme na vida universitária, até porque a instituição que dirige não só organizou no ano passado uma Conferência sobre Ritos de Iniciação, como também tem-se preocupado em estudar o tema, através das aulas para pesquisar e debater sobre o valor significativo/tradicional da prática, olhando também para o contexto social e legal, como forma de perceber os impactos que aquela actividade tem na vida das comunidades.
Noa, depois de enaltecer a parceria com o FDC (responsável pelo evento), explicou o valor cultural e tradicional dos ritos de iniciação, tendo chamado atenção ao facto de as pessoas diabolizarem aquela prática, sem contudo olhar para os elementos que seriam de pertinente revogação. Aliás, Noa defende que o problema não são os ritos em si, mas sim alguns elementos, inseridos na prática, que põem em causa todo o valor de vida das comunidades.
Por outro lado, Hernani Sevene, Colaborador e Membro da Direção Executiva do FDC, explicou que "estamos a partilhar evidências que abordam questões da mulher e da rapariga. Sabemos que os casamentos prematuros ou união forçada são uma realidade no nosso país". Tal explicação fundamenta-se na leitura do "Ku'Umbala", filme que retrata a nossa realidade, razão da iniciativa de o levar à comunidade académica, para a construção de um debate profundo sobre a prática e, quiçá, discutir sobre prováveis meios para a melhoria ou ressignificação daquela prática.